Sobre Sing Sing e a urgência da arte
Um filme sobre o resgate do nosso lado mais humano
Fui assistir ao filme Sing Sing porque, ao ver seu trailer, chorei. Difícil isso acontecer em um vídeo curto de 2’24”, mas aconteceu. Talvez os cortes das cenas tenham sido precisos, a música de impacto foi sabiamente usada ou meu humor estava propenso às lágrimas naquela tarde vendo vídeos no Instagram. De qualquer forma, lá estava eu, no último sábado, conferindo o filme do diretor Greg Kwedar, indicado a três Oscars: melhor ator para Colman Domingo, melhor roteiro adaptado e melhor canção original.
Esta safra de filmes do Oscar 2025 não me pegou como aconteceu em 2024. Em filmes como Dias Perfeitos, Vidas Passadas, Os rejeitados, Anatomia de uma queda e American Fiction, sentia vontade de reassistí-los a qualquer momento porque eram histórias esféricas, cheias de nuances e possibilidades. Já neste ano, não aconteceu o mesmo. Há filmes bons, como Ainda estou aqui, Anora e A verdadeira dor, e filmes chatongos ou ruins como Conclave e Emilia Perez. Mas nenhum deles me pareceu ter a sensibilidade de acessar algo que quisesse expressar ou sentir até assistir a Sing Sing.
O filme, baseado em uma história real, conta a história de um grupo de presidiários que se engaja em um grupo de teatro na cadeia de segurança máxima Sing Sing, nos Estados Unidos. Um deles, Divine G, é ator e dramaturgo, e tem as paredes de sua minúscula cela coberta de textos, prateleiras com livros e uma mesa com uma máquina de escrever. Além de escrever peças e atuar no teatro, Divine G busca provas e escreve sua defesa contra um crime que não cometeu. Para a nova peça que precisarão ensaiar, um novato chama a atenção por viver o conflito entre se entregar às práticas e lidar com a sina de ser um bandido.
Não é um filme de grandes acontecimentos. Como público, acompanhamos a temporada de ensaios, mas, sobretudo, somos imersos ao processo de encantamento que o teatro provoca naqueles homens. É como se, apenas ali no palco, eles pudessem acessar partes escondidas de beleza dentro deles mesmos.
Em uma das cenas mais emocionantes, o diretor da peça pede que os detentos imaginem um dia perfeito. Após o relato de cada um deles, em que as respostas variaram entre “um dia no parque antes de minha esposa falecer”, “passar o dia com meus filhos” e “tentar ver a minha mãe do outro lado do Rio Hudson”, o diretor reflete como é importante um momento como aquele em que eles pudessem ser vulneráveis. Ele completa dizendo algo como “isso não é o que homens costumam fazer”.
No filme, o teatro é o grande meio humanizador dos detentos-atores, ao criar espaços de autoconfiança, amizade e esperança em suas vidas. É também o teatro que transforma a maneira de ver seus mundos, possibilitando outras narrativas a partir dali.
Fiquei pensando no tanto de gente que ainda acha que a arte é para frouxos, losers, especialistas, hippies, desocupados. Penso que essa dissociação da arte e do mundo “real” é uma campanha ferrenha para perdermos nossa essência mais humana, nos tornando mais máquinas produtivas para girar a máquina do lucro. Enquanto nossos corpos e mentes e almas se separarem daquilo que nos traz prazer estético e senso crítico, seremos cada vez mais reféns dos algoritmos, IAs, guerras, bilionários excêntricos, governos tiranos.
É tempo de voltar a chorar em trailers, músicas, quadros, romances e em Sing Sing.
Escrita de viagem 🧳
Neste quadro, escolho artigos de escritores com newsletters aqui no Substack que compartilham experiências fora da rotina: uma viagem de férias, uma visita à cidade natal ou um passeio atento pela vizinhança.
Desta vez, divido com vocês um texto divertidíssimo da escritora Andrea Nunes, sobre uma visita ao Japão 🇯🇵 e o impacto das diferenças culturais nos menores detalhes do dia a dia. Não perca!
Colagem de dicas ✨
EVENTO SÃO PAULO: Já abri um novo evento no Sympla para o 3o encontro do Vinho & Escrita. A oficina Vinho & Escrita são encontros de estímulo à escrita, utilizando a literatura e o universo dos vinhos como inspiração criativa. A cada encontro, serão escolhidos novos exercícios e vinhos, conforme o tema do mês. No encontro de abril, o evento será em torno do tema Alice no País das Maravinhas e falaremos sobre IDENTIDADE. Não perca: 09/04/25, 4a feira, às 19h00, no Les Vignobles de Demain - Vila Madalena. Inscrições AQUI.
SÉRIE DE TV: Valeria (Netflix), a série espanhola sobre quatro amigas na faixa dos 30 anos vivendo em Madrid, me acompanhou ao longo dos últimos anos. Foi alento na pandemia, diversão enquanto morei fora, emoção ao lembrar das minhas amizades. Por fim, estreou a quarta e última temporada, e ela não poderia ser mais fofa. Valeria continua ainda contraditória, desejante, destemida e bem-sucedida com seus livros. Suas amigas seguem por outros caminhos, mas totalmente coerentes com o que foram nas temporadas anteriores. A série termina como sendo uma grande declaração de amor aos laços de amizade entre mulheres e à lindíssima cidade de Madrid ❤️.
LIVRO: Morrendo de amor ou Morbidly yours, da americana Ivy Fairbanks (versão original e a que escolhi para ler) é um livro despretensioso sobre a história de amor entre uma americana recém-viúva que vai trabalhar em um estúdio de animação em Galway, na Irlanda. Lá, ela conhece o seu vizinho, dono de uma agência funerária. Essa relação de amizade pouco provável entre uma alma solar e um sujeito introvertido vai avançando até se tornar uma conexão inebriante. Um livro que traz “um quentinho” ao falar de diferenças culturais, lutos e recomeços.
Adorei estar aqui! Super obrigada! Me senti privilegiada!
Ah, na lista do Oscar, o meu favorito é Wicked. Mas eu já era fã da história, do musical, de tudo que deriva de O Mágico de Oz, então não tenho muita base para falar dos demais. rs
Sandra, Conclave é chato???