Sobre clubes de leitura e a vontade de ir além
Como conversar sobre livros estende o prazer da leitura
Semana passada, participei de mais um encontro do Clube de Leitura de Livros Clássicos, um grupo de amigas formado pela Florinda Borges aqui em Londres. Dessa vez, nossa reunião foi para discutir Jane Eyre, da escritora inglesa Charlotte Brontë (na última newsletter, escrevi sobre como foi incrível a experiência de ler o livro sem spoilers, vivendo as surpresas do romance ao longo da leitura. Para ler o artigo, clique aqui). Pra mim, essa edição teve um gostinho especial porque tive a alegria de moderar o grupo, conduzindo-o pelos principais temas do livro.
Por ser um livro riquíssimo em abordagens e sofisticado até hoje, senti curiosidade de saber mais sobre a obra, a autora, o contexto histórico, as influências, o que veio depois. E, por moderar a conversa, estudei. Li sobre as amizades da autora e a influência delas na escrita de Charlotte, conferi textos da Virginia Woolf sobre as irmãs Brontë, assisti a adaptações da história pro audiovisual (filme e série), reli as notas do livro na edição da Penguin. Nesses dias de estudo, lembrei como é bom me dedicar àquilo que gosto e posso dizer que, pra mim, isso aconteceu há pouquíssimo tempo. Mas essa dedicação extra só existiu porque existia a perspectiva de troca com outras pessoas. O clube de leitura, portanto, me estimulou a ser curiosa e ir além das (muitas) páginas do livro.
Na nossa reunião, além de compartilhar o que descobri, abri os meus olhos pra outras visões sobre o livro com as participantes do clube. Cada uma com suas leituras, suas referências, suas opiniões próprias e todas com espaço de expressão. Por ser um livro clássico, lido por amadoras e não profissionais da literatura, nada é unânime; nossas percepções são carregadas de pessoalidade e de episódios do cotidiano.
É como se o livro fosse um pretexto pra que falemos sobre nossos medos, nossos desafios, nossas ansiedades, nossas vidas.
Participo de clubes de leitura há mais de cinco anos. Eles vieram com força total em versões virtuais durante a pandemia, quando não tínhamos nada a fazer no isolamento das nossas casas. Com o fim desse período tenebroso, julguei que os clubes estivessem com seus dias contados, pois a concorrência de distrações seria maior e ninguém aguentaria mais uma reunião on-line. Agora, penso diferente. Os clubes de leitura, além de proporcionarem a aquisição do hábito de leitura e sociabilização entre pessoas com gostos semelhantes, estão se tornando mais específicos, com objetivos claros de leitura e, não raramente, contam com propostas inovadoras pra estimular leitores a participarem.
Há os de leitura de clássicos (do perfil @queridoclassico), os de leituras extraordinárias (da Paula Carvalho e da Ana Rusche), os de leitura sobre os sentimentos (do Bookster - Pedro Pacífico), de obras de terror (da Irka Barrios) e mais uma infinidade de outros.
No meu caso, prefiro os presenciais. Inclusive, há uns dias, fui a um encontro de outro clube de leitura em que o livro era discutido enquanto caminhávamos por um parque de Londres. Achei linda a experiência de aliar natureza com literatura, colocando seus participantes para discutir um livro em um espaço de movimento e contemplação.
Definitivamente, os clubes de leitura só estão começando. Tá mais do que na hora de que livros voltem a ser assunto nos nossos dia-a-dias.
E você, já participou de um clube de leitura? Qual a sua experiência?
CRÔNICA DA QUINZENA
⚡️NOVIDADE!
A cada duas semanas, postarei neste espaço uma crônica sobre meu cotidiano. Nesta edição, a história de um lenço no meio de umas estações mais movimentadas de Londres.
O lenço
Eram quase dez horas da noite e eu devorava um wrap de frango em pé na plataforma 4 da estação de trem London Bridge. Segundo o letreiro eletrônico, ainda faltavam seis minutos para o trem chegar. As pessoas se aglomeravam na plataforma. Não parecia tarde da noite, nem que fazia frio e chovia, como se o galopar das horas e as condições meteorológicas inóspitas não fossem pretextos mais do que suficientes para que as pessoas ficassem em casa.
Toda a minha atenção estava voltada, para além do letreiro, para o wrap de frango e o desejo de não perdê-lo em uma mordida mais afoita. Dois minutos.
Enquanto tentava me limpar do excesso de molho barbecue nas minhas mãos e bochechas com um guardanapo ralo, vejo um lenço voando pelo chão. Não era um lenço grande, daqueles usados no pescoço. Era um lenço de formato quadrangular, de fundo branco e margens azuis escuras, com ornamentos de rosas. Ele me fez lembrar os lenços da minha avó, daqueles que ela carregava dentro do sutiã. Um lenço bonito, de uma época que não existe mais.
O lenço encostou no tornozelo de uma mulher. Até que um homem alto, de porte frágil, saiu de trás de mim e correu em direção ao lenço. “Talvez ele tenha feito a gentileza de pegar o lenço da namorada, da mãe, da tia-ave”. Mas, assim que o pegou, começou a mostrá-lo a cada uma das mulheres num raio de dois metros, perguntando se o lenço pertencia a elas. A imagem do rapaz me remeteu aos romances de cavalaria ou aos desenhos animados do Pica-Pau, em que as donzelas jogavam seus lenços como forma de chamar a atenção dos moçoilos.
O trem chegou quando o rapaz levantou o lenço na minha direção.
“Não é meu, desculpe.”
“Poxa, não sei de quem é, mas é um lenço bonito.”
“É sim.”
“É um lenço bonito pra caramba, mas não sei se alguém o usou, se é que você me entende.”
“Pois é, alguém pode ter usado mesmo.”
“Mas é um lenço bonito.”
“Desculpe, preciso pegar o trem.”
Se ele domou o medo de guardar um lenço com uma coleção de vírus ou suor de uma estranha, não sei. Mas que era um lenço bonito, ah, se era.
COLAGEM DE DICAS
LIVRO: Poemagem: poesia e colagem pra viagem agora tem uma versão online e pode ser adquirido na Amazon. Se você curte ler livros no Kindle, está fora do Brasil e quer ler meu último livro, então clica aqui.
SÉRIE DE TV: Mesmo sabendo que seria uma série “obrigatória” para fãs de Jane Austen, demorei alguns anos pra assistir à versão BBC de Orgulho e Preconceito (1995). Talvez imaginasse ler o romance em sua versão original antes (não rolou, ainda), mas, na verdade, posterguei o momento como uma forma de esticar ao máximo as primeiras experiências no universo austeniano. A série de TV tem seis episódios e conta com as atuações de Jennifer Ehle, como Elizabeth Bennet, e Colin Firth, talvez o mais lendário Mr. Darcy de todos Mr. Darcys (perfeito!). É uma série belíssima, com cenários estonteantes e é fielmente adaptada a partir do livro.
LIVRO: Li O médico e o monstro porque queria ler algum livro de Robert Louis Stevenson antes de visitar Edimburgo, sua cidade natal. Por ser uma leitura curta, com poucas páginas, se assemelha mais a uma novela do que a um romance. Apesar das poucas páginas, o autor consegue criar uma aura de suspense e terror acerca dos personagens Dr. Jekyll e Hyde. É um livro que aborda a dualidade/ complexidade dos indivíduos e como nossas versões reprimidas, seja por vontade própria ou pressão da sociedade, podem vir à tona de uma hora pra outra, com uma força descomunal. Adorei.