Notas sobre a Feira do Livro de Londres
Três dias de escuta, inspiração e criatividade em torno do mundo do livro
Quando trabalhava em banco, a única feira de negócios que visitei foi uma de tecnologia bancária, em São Paulo. Na época, eu só gostava de estar em meio a estandes de softwares anti fraude, soluções de analytics e bitcoins porque era um motivo válido para estar fora do escritório. Todos os assuntos discutidos nas mesas, nas palestras, nas conversas pelos corredores era chaaaaatooooo. Não me conectava a nada. Eu me forçava a fazer parte, ainda que nenhuma parte de mim se encaixasse àquele modelo.
Após seis anos, a primeira feira de negócios que visito desde a minha transição de carreira é a London Book Fair, uma das mais relevantes dentro do mercado editorial mundial. Ao contrário da Bienal de São Paulo, cujo foco é apresentar as novidades literárias para o mercado consumidor, e da FLIP, que é mais voltada a conectar escritores, a feira de Londres é puro business. Voltada pras negociações de direitos autorais, traduções, contratos comerciais com fornecedores, conversas entre agências literárias com editoras, a London Book Fair é palco pra peixe grande. Pelo centro de eventos Olympia, havia mais mesas do que livros, indicando que as reuniões imperavam mais do que os livros em si.
Sempre tive vontade de visitar a feira de Londres, mas, enquanto morei na cidade, me enrolei. “Ano que vem eu vou” é a desculpa que eu me dava para me organizar e justificar a compra do ingresso. Até que a mudança pro Brasil me fez perceber que alguns dos “ano que vem eu vou” deixaram de ser possíveis. Eis que, com a possibilidade de visitar Londres, os pontos se ligaram: estaria na cidade precisamente nos dias da London Book Fair. A urgência de aproveitar as mil oportunidades que a cidade oferece não me deixou postergar o desejo de conhecer a feira.
Comprei o passe de três dias.
A questão é que não moro mais em Londres, não tenho uma agência literária, não trabalho em uma editora multinacional, não tenho um manuscrito de sci-fi promissor, nada disso. À primeira vista, pareceria que visitar a feira poderia ser um mero capricho. Mas, em paralelo aos estandes, havia uma programação intensa de mesas-redondas sobre o que há de mais inovador no setor, inclusive de interesse para escritores independentes como eu. Assuntos como “criar uma comunidade em torno da escrita”, “usar as redes sociais”, “escrever de forma profissional”, “estruturar campanhas de marketing”, “ser um autor indie que ganhe dinheiro como tal” foram discutidos de forma aberta sobre um mercado que muda o tempo todo.
É claro que a compreensão do idioma falha. O cansaço de ouvir palestras e mais palestras bate. As diferenças entre o mercado editorial gringo e o brasileiro são expressivas. Ainda assim, tive insights interessantes, apesar de acreditar que muitas das sementes plantadas nesses dias demorem algumas estações para se transformarem em projetos ou conexões efetivas. De qualquer forma, compartilho algumas das ideias que rechearam meu caderninho A6:
- A formação de comunidades, quando os envolvidos interagem não apenas com uma pessoa, mas com os demais participantes do grupo, é essencial para escritores, mais do que a criação de uma audiência ou zona de influência.
- Grupos pequenos de leitores engajados podem ser mais relevantes do que grandes massas de seguidores sem interação.
- É importante se lembrar dos motivos que te levam a escrever o que escreve. A paixão é a grande arma para se conquistar leitores e vender livros.
- Fazer o marketing de um livro é mais uma oportunidade de ser criativo. Pense em possibilidades diferentes de atrair a atenção do seu público.
- O bloqueio criativo pode ser uma falta de confiança no seu próprio trabalho; é preciso contorná-lo por meio da própria escrita.
- Nunca pare de escrever. Se o trabalho atual não agradar, continue a escrever o próximo e, em seguida, o próximo. Fortalece-se o estilo, a qualidade de escrita e a resiliência frente às rejeições do caminho.
- Leia Dom Quixote. É um dos melhores exemplos de construção de uma narrativa longa.
Ao sair da Feira do Livro de Londres, desejava mais alguns dias de evento. Sensação bem diferente da de deixar o pavilhão das feiras sobre bancos no fim dos anos 2010.
Colagem de Dicas ✨
Newsletter: Sou fã dos textos da Emma Gannon no The Hyphen (Substack), uma inglesa que escreve sobre criatividade, inspiração, trabalhos dentro da indústria criativa. Tive a chance de encontra-la em uma das mesas da London Book Fair e foi inspirador ouvi-la falar sobre como conquistou mais de 65 mil leitores no Substack, como desistiu de fazer podcasts apesar dos milhões de ouvintes e como se mantem fiel ao desejo de ser escritora. Recomendo a assinatura paga para ter acesso a todos os textos, um verdadeiro banho de referências e estímulos a se ter um trabalho artístico.
Filme: Assisti ao filme Fly me to the moon (2024), dirigido por Greg Berlanti, uma comédia romântica protagonizada pela Scarlett Johansson e Channing Tatum, e achei fofo. O filme se passa na década de 1960 e conta a história de uma marqueteira de NY que vai trabalhar em Cabo Canaveral para promover a campanha do homem na Lua. No meio do caminho, há o diretor do lançamento, um mocinho ligado a seus ideais que não confia em quem fica fazendo propaganda de tudo. Apesar de ser um filme tonto, é interessante ver como os Estados Unidos encontram justificativa para conseguir comercializar TU-DO, fazendo essa tarefa de forma magistral, como nenhuma outra nação do mundo. Destaque para a declaração do mocinho para a mocinha nos primeiros minutos do filme, quando ele a conhece em um café. Vulnerável e ousado na medida perfeita.
Evento SP: Mais uma edição do Vinho & Escrita em São Paulo! Será no dia 09/04, às 19h00, no Les Vignobles de Demain (Vila Madalena). O tema do próximo encontro será Alice no País das Maravinhas e vamos falar sobre Identidade. Inscrições no site do Sympla.
Excelente texto !!!