Como um exercício de reflexão de início de ano, comecei a pensar quais eram os temas recorrentes da minha escrita, as minhas ‘obsessões’. É claro que em escritoras e escritores longevos – o que não é meu caso – torna-se natural perceber as preferências de gênero e tema. Segundo a minha visão de leitora, Elena Ferrante usa a prosa ficcional para falar das relações conflituosas entre mulheres e contra mulheres; Annie Ernaux cria uma espécie de autosociobiografia para discorrer sobre sua vida e a sociedade da época; Angélica Freitas reina na poesia sobre a contemporaneidade e o feminismo.
Já escrevi crônica, poesia, romance, história para crianças, artigo acadêmico, ensaio. Mas, por enquanto, o que virou livro foram minhas crônicas e poemas, ambos no universo não-ficcional. A escrita de não-ficção tem como matéria-prima a observação da vida, a extração do extraordinário a partir do ordinário, o resgate da memória como ponto de contato com o presente. Entre a crônica e a poesia, há diferenças de estrutura e linguagem: a crônica é um texto curto, como as tradicionais colunas dos jornais; a poesia brinca com as palavras, usa o espaço do papel de forma não-convencional, abusa da sonoridade. Ambas, porém, usam a perspectiva do “eu” para escrever sobre o mundo, seja ele interno ou externo.
Quando o assunto é tema, percebi que grande parte do que escrevi foi sobre viagens. Quase metade do Pra que varanda se a vista é feia? fala de situações inusitadas “longe da varanda”. Poemagem, por sua vez, celebra lugares que visitei, morei, sonhei. É por esse motivo que decidi me aprofundar ainda mais na escrita de viagem, estudar suas particularidades, ler mais livros do gênero, conhecer suas modalidades e captar o que a torna tão atraente.
Como fruto desses estudos e leituras, criei uma oficina de escrita criativa chamada As viagens são os viajantes: uma oficina de escrita de viagem. Ela será ministrada pela primeira vez no dia 28/02, 4ª feira, no Consulado-Geral do Brasil em Londres. Será uma oportunidade de falar sobre esse tema que me encanta tanto.
As próximas newsletters continuarão essa conversa sobre escrita de viagens. Semana que vem, vou falar sobre como a escrita de viagem pode abranger tanto a expedição ao Everest quanto à casa da infância.
COLAGEM DE DICAS
FILME: American Fiction é mais um filme da leva de indicados do Oscar 2024 cujo protagonista é um escritor, o que eu acho o máximo (semana passada falei sobre a escritora de Anatomia de uma queda). A história fala de um romancista frustrado que resolve escrever um livro sobre uma suposta realidade vivida pelos negros nos Estados Unidos, tornando-o uma sátira aos estereótipos criados pela mídia para essa população. No entanto, o livro se torna um sucesso comercial e de crítica.
Para mim, American Fiction é preciso ao mostrar o livro como um produto comercial e que, portanto, deve atender aos anseios do público consumidor. Mesmo que esse anseio seja sendo amparado numa falsa verdade ou na manutenção dos nossos preconceitos.
LIVRO: Em Escrita em movimento: 7 princípios do fazer literário, de Noemi Jaffe, a autora usa a experiência acumulada como escritora e ministrante de oficinas de escrita criativa para refletir sobre a importância de não se ter regras fixas se a ideia é ter um texto livre. No entanto, Jaffe sugere formas de se pensar a escrita para que nos tornemos mais conscientes das nossas escolhas criativas em termos de linguagem, de estilo, de tema. Escrita em movimento é aquela típica leitura que deve ser retomada de tempos em tempos, como uma espécie de meditação sobre o processo de escrever e criar arte.