Escrever sobre viagens de longe e de perto
Quando viajar pode ser visto como uma nova forma de ver a vida
A primeira crônica escrita por mim foi sobre uma varanda de hotel em Osasco. Eu estava fora de casa, por motivos profissionais, e a feiura da vista a partir daquela varanda me fez pensar nos absurdos da vida e nos motivos de eu estar ali. Anos depois eu saberia o porquê, mas, naquele momento, eu só sentia inadequação. Tal como uma varanda em um prédio com vista feia.
Que eu saiba, Osasco não é destino de férias de ninguém. Mas meu olhar de ‘forasteira’ viu algo naquela situação banal. Talvez outra pessoa no mesmo hotel Ibis não tenha dado bola para a varanda escondida atrás da cortina bege. Mas aquele algo me fez escrever. Depois desse texto, vieram centenas de outros. Mas o olhar continua curioso, aprimorado com a prática e a maturidade.
A escrita de viagem pode falar da ‘viagem da vida’, como fazer o Caminho de Santiago, ir de carro até o Alasca, cruzar o Atlântico num veleiro, viajar pela Itália-Índia-Indonésia até achar um namorado brasileiro. Esses grandes projetos geram curiosidade por requererem um esforço físico, mental e financeiro, e por serem exóticos. Não é todo mundo que coloca uma mochila nas contas e sobe o Kilimanjaro. Como provavelmente será difícil fazer o mesmo, temos curiosidade em saber o que há de grandioso nessas conquistas. A leitura de livros de viajantes nos transporta para onde nossos pés não chegam e nos convidam a fazer parte da jornada.
Mas há outras viagens. As viagens de férias. As de final de semana. A jornada pelos cafés de um bairro. A volta à casa de praia da adolescência. A viagem ao trabalho em transporte público. A aventura de viajar com bebês. A ida ao hospital com um ente querido. A busca pelo melhor pão de queijo da cidade.
Essas viagens mais curtas, ainda que façam parte do nosso dia a dia, podem ser espaço de deslumbramento. Basta vestir um olhar de novidade, ou seja, aquele que se desarma do peso da rotina e se abre para as inúmeras possibilidades da vida.
O meu ponto de vista pode ser controverso, mas o gênero literário crônica, ao se dedicar a colocar luz no cotidiano, é uma espécie de escrita de viagem. A cronista e o cronista são estrangeiros nos dias comuns, relatando a outros viajantes sobre o que há de diferente, inusitado, estranho, belo no viver de cada dia.
Viajando perto ou longe, vamos escrever a respeito disso?
COLAGEM DE DICAS
EVENTO: Na próxima 4ª feira, dia 28/02, farei a minha primeira oficina de escrita de viagem ‘As viagens são os viajantes’. Ela traça um paralelo entre o viajar e o escrever, apresenta meios de se falar sobre viagens e dá dicas sobre essa modalidade de escrita. A ideia da oficina é usar as experiências de viagem como inspiração criativa e, ao mesmo tempo, como motor de novas viagens literárias por meio da escrita. A oficina acontecerá no Consulado-Geral do Brasil em Londres e será gratuita. Basta garantir sua participação no Eventbrite.
FILME: Sussurros do coração (1995) é mais um filme do Studio Ghibli que assisti recentemente. Tem na Netflix. Fala da história de Shizuku, uma adolescente aficionada por leitura. Durante as férias de verão, ela percebe que há um leitor que sempre lê os mesmos livros que ela. Trata-se não só de um filme de formação, mas um filme de uma escritora em formação, pois Shizuku reconhece na escrita um espaço de manifestação dos seus talentos. É uma animação sensível sobre acreditar nos sonhos, ir atrás do que se quer, ter o apoio de pessoas queridas no processo de amadurecimento, se apaixonar. Como bônus, a música West Virginia, de John Denver, atravessa toda a história e depois se instala no nosso cérebro pra ali morar eternamente: “country roads, take me home, to the place I beloooooong...”
Que lindo isso - a crônica como relato de viagem. Amei