Fazer coisas pela primeira vez requer uma certa dose de curiosidade e de cara de pau. Ano após ano, tenho me especializado nas duas, e morar fora ajuda nesse sentido. Primeiro, porque há coisa nova a cada passo pra se experimentar; e segundo, ninguém te conhece mesmo, o que facilita ultrapassar o embaraço dos primeiros passos. Uma das coisas que me permiti fazer em Londres foi desenhar, numa modalidade conhecida por sketching. Nela, os traços rápidos de lápis, canetas ou gizes retratam cenas urbanas, o que engloba monumentos, edifícios, cafés, transeuntes.
Conheci o sketching numa mesa do Festival Literário de Óbidos, onde o Urban Sketchers Portugal estava lançando um livro. Ali, descobri haver grupos espalhados por diversas cidades no mundo que se reunia pra desenhar, inclusive em Londres. Comecei a seguir o Urban Sketchers London de cara, mas demorei uns meses pra me atrever a participar de um de seus encontros mensais. Afinal de contas, encontrar pessoas que gostam de desenhar em bairros lindos de Londres, usando criatividade e olhar artístico durante duas horas num evento gratuito, parecia assustador demais.
Meu primeiro sketching foi no bairro de Shoreditch, na região central de Londres. É um bairro hipster, cheio de arte urbana, restaurantes descolados, lojas independentes, brechós. Era um sábado encoberto por nuvens e o ponto de encontro foi num coreto, cercado de prédios de tijolos vermelhos. Cheguei atrasada. Mas encontrei umas pessoas desenhando na praça do coreto, então não seria a única participante.
Caminhei algumas quadras e achei o prédio perfeito pra meu primeiro sketching, localizado numa esquina da movimentada Brick Lane. Sentei-me num café em frente ao objeto da minha futura arte, comprei um cookie e um café – um ritual que viria a se repetir nos demais sketchings – e comecei a rabiscar. Telhados, janelas, ornamentos em gesso, luminárias, letreiros. É claro que o desenho ficou feio, torto, totalmente sem perspectiva. Mas, pra uma leiga sem nenhuma base de conhecimento em desenho, o resultado foi do meu agrado, fiquei satisfeita.
Ao fim de duas horas, voltamos a nos reunir no mesmo coreto. Homens e mulheres, jovens e velhos, britânicos e estrangeiros, todos ali reunidos pra celebrar a arte. Cada sketcher é convidado a colocar seu desenho no chão, como uma galeria improvisada. É impressionante ver o nível técnico dos meus colegas que produzem verdadeiras obras de arte em um espaço curto de tempo.
Após participar de meia dúzia de encontros, já tenho o meu broche de sketcher e percebo que meus desenhos melhoraram. Além disso, eles seguem um padrão estético: numa folha de 15 x 12 centímetros, tento reproduzir detalhes arquitetônicos e pessoas que tenham feito parte daquela paisagem por algum instante. Já desenhei um parque, um hotel cinco estrelas, a antiga casa de um escritor do século XVIII, um espaço cultural.
Aprofundar-me no desenho é ver o mundo sem tanto ruído e distração, reparando no cotidiano – e em mim mesma – com olhos de novidade. Afinal de contas, não preciso ser especialista em algo pra testar e me divertir e criar e aprender.
Lições e tanto pra minha própria escrita.
COLAGEM DE DICAS
LIVRO: The Great Gatsby é um livro empolgante e enérgico, como se estivéssemos ouvindo as batidas do jazz como música de fundo. Tem a cara dos Estados Unidos, um lugar onde as relações entre tradição e dinheiro vivem em conflito e ditam como as pessoas se relacionam, se amam, se destroem. A história é narrada por Nick Carraway, um cara que chega do Meio-Oeste pra trabalhar com investimentos. O narrador conhece o misterioso Jay Gastby, seu vizinho, e se envolve na obsessão do colega em reatar um antigo romance com Daisy Buchanan, uma prima distante de Nick. Coincidências e tragédias vão rondando os personagens a ponto de ninguém conseguir se salvar. A linguagem de Fitzgerald é veloz e cheia de personalidade. Ao mesmo tempo, usa o coloquialismo e a ironia em diversos pontos do romance, o autor é sofisticado ao usar metáforas e descrever os espaços em que se passa a história. Apesar de se passar há um século, a história de The Great Gastby descreve relações de poder e interesse facilmente transpostas aos dias atuais. Um clássico, sem dúvida nenhuma.
SÉRIE: Há mais de um mês tenho assistido Downton Abbey. Sim, estou atrasada, a sexta e última temporada saiu faz uns dez anos e não tem nada de novo em indicar uma série que as pessoas conhecem. Mas uma série de época sobre aristocratas e empregados/serviçais nunca vai estar tão desatualizada assim, justamente porque é datada por natureza. Tenho falado que Downton Abbey é uma novela mexicana passada em Yorkshire dos anos 1920. Isso porque tem dramas, picuinhas, passadas de perna, paixões. Mas tudo dentro da ‘compostura inglesa’, sem grandes rompantes de emoção, nada de abraços, gritos, sacolejadas, pitis. Pra mim, tem sido uma escola sobre cultura, no sentido de perceber como as pessoas reagem diferentemente em situações iguais, e sobre esse lugar que é hoje a minha casa. Bom demais.