A favor dos livros curtos (e nada contra os longos)
Sobre o Clube do Livro Curto, meu novo projeto em parceria com o Jornal Nota
Há um tempo, venho pensando sobre os hábitos de leitura contemporâneos. Quem lê livros hoje em dia? Quais são os gêneros mais procurados? Os temas que atiçam a curiosidade e dialogam com as pessoas? Como a introspecção da leitura se encaixa em um dia fatiado por mini-interrupções das notificações do celular? Qual o papel dos novos dispositivos de leitura? O que funciona e o que não funciona?
Antes de escrever, eu sou uma leitora. Se eu deixar de escrever um dia, ainda serei leitora. Mas reconheço que meus hábitos e a minha relação com a leitura mudaram justamente por escrever. Leio livros de ficção e não ficção para resenhas, para estudos acadêmicos, para refletir sobre a escrita, para saber o que o mercado editorial anda publicando, para futuros projetos. Ler é prazeroso, ainda que tenha propósitos múltiplos.
Talvez eu mesma não seja parâmetro para a indagação inicial porque meu interesse é compreender o que faz uma pessoa ler apenas porque quer ler, como fazer para essa pessoa ler porque quer ler. Sem propósito, sem procurar soluções para atingir a felicidade, sem sentir que estar “perdendo tempo” com um livro.
Um dos fenômenos que tenho percebido é a aposta do mundo editorial por livros mais curtos. Ou então a redução dos lançamentos com mais de 300 páginas. É claro que sempre existiram livros curtos e numa rápida recapitulação dá para lembrar de A metamorfose, do Kafka; O Amante, da Marguerite Duras; O estrangeiro, do Albert Camus; A hora da estrela, da Clarice Lispector. Eles não são bons porque são curtos; eles foram escritos na dimensão necessária para passarem a potência que tinham que passar em termos de linguagem, de abordagem, de mensagem. Páginas a mais provavelmente tirariam sua força.
Se para a editora o livro curto representa economia de papel, para o leitor, o livro curto pode ter vantagens. Por meio dele, há a possibilidade de se conhecer um novo autor ou autora com um “custo de oportunidade” menor. Ou seja, ele pode se lançar a um livro sem sentir que estará ligado a ele por muito tempo, sem achar que perderá oportunidades de leitura por um determinado período. Além disso, os livros curtos, ao serem lidos, dão uma sensação de realização, de completude, de pensar “sim, eu consigo terminar um livro”. Por fim, um livro curto pode ser o companheiro perfeito para os deslocamentos, para as leituras enquanto se espera a consulta médica, para a pausa no almoço. Após ler livros mais longos, gosto de intercalá-los com os curtos.
É por isso que, em parceria com o Jornal Nota, criei um projeto chamado Clube do Livro Curto. Ele será um podcast de entrevistas sobre livros curtos. A cada episódio, eu conversarei com escritores e escritoras de livros de até 150 páginas sobre suas obras: a inspiração, o processo criativo, o enredo, os personagens, o espaço, as possíveis leituras. Tudo isso em um episódio de, no máximo, 30 minutos. O podcast será quinzenal e terá versões disponíveis em áudio (Spotify) e vídeo (YouTube). A estreia será na próxima quinta-feira, dia 05/09.
A ideia do Clube do Livro Curto é estimular as pessoas a conhecerem novas obras e, a partir delas, readquirirem o hábito da leitura. Em tempos com uma concorrência incomparável pela nossa atenção, os livros curtos podem ser uma saída. Com eles, acredito que, pouco a pouco, os leitores e leitoras possam se interessar em desbravar novos universos literários, sejam eles com menos ou mais páginas.
Ser a favor dos livros curtos não significa ser contra os livros longos, longe disso. O importante é ler.
Colagem de dicas
Podcast: Há duas semanas, eu, Luiz Ribeiro (editor do Jornal Nota) e Paula Carvalho (escritora e editora) conversamos sobre livros curtos num episódio do Em Pilhados, programa do Jornal Nota no YouTube. Conversamos sobre o que pode fazer um livro curto ser bom ou ruim, as vantagens e desvantagens dos livros curtos e nossos livros curtos favoritos. Assista aqui ou escute aqui.
Artigo no Jornal Nota com a resenha do livro O conto da ilha desconhecida, de José Saramago: A história do homem que vai pedir um barco ao rei para buscar a ilha desconhecida reconhece-se na história portuguesa. Ali há o passado monárquico, a aventura no além-mar, a burocracia pautada nos títulos e benesses. Ao mesmo tempo, o conto dialoga com o universal, a se direcionar àqueles que ousam questionar o status quo, se lançam ao movimento, desejam compreender quem são a partir do afastamento do reconhecível. “Que é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós” é uma das frases mais conhecidas de Saramago e, assim, encontra ressonância na eterna investigação de homens e mulheres em direção a si mesmos. Leia a resenha completa aqui.
Bienal de São Paulo: Autografarei meus livros no dia 06/09, sexta-feira, das 15h30 às 19h00, no estande da Editora Proverbo na Bienal de São Paulo. Quem puder, apareça por lá!
Depois de anos de negligência, comecei a devorar latinoamericanos. Como estrategia para essa primera peregrinação, escolhi livros magrinhos para dar chance a mais escritores de cairem no meu gosto (lamento, mas os clássicos que ficam de pé sozinhos terão que esperar!) 😅
“Vivir entre línguas” de Silvia Molloy (Argentina) / “Kramp” de María José Ferrada (Chile) / “Invitación al viaje y otros cuentos” de Julio Ramón Ribeyro (Peru) / “O coração que chora e que ri” de Maryse Condé (Guadalupe/Antilhas)
O problema desses fininhos é que acabam rápido; então, fui degustando bem devagarzinho cada pagina. BONUS: me ajudaram a deixar de lado o celular!!!
Adorei a proposta e já quero acompanhar o Podcast. Os livros e textos curtos têm o seu lugar ainda mais em tempos corridos como na atualidade. E penso que sim, pode ser uma ótima pedida entre um livro e outro mais longo como você bem disse ou para conhecermos um autor/a ou mesmo para quem ainda não tem o hábito da leitura ter um incentivo a mais para iniciar um livro. O importante mesmo é termos um tempo para a leitura e colher os benefícios desta prática, seja com livros longos, curtos ou intercalados. Do jeito que fizer sentido para cada pessoa e a cada momento da vida. 💜Abraço e sucesso com o Clube.